1 de jun. de 2016

Transtornos do pânico (2) Atualização clínica e epidemiológica.




 Dados epidemiológicos apontam para o aumento preocupante de diversas patologias psíquicas, dentre elas os transtornos do pânico, que se tornaram um grave problema atual de saúde pública. A literatura especializada apresenta diversas abordagens terapêuticas para esses transtornos, entre elas o tratamento farmacológico é o mais empregado, apesar de seus inconvenientes terapêuticos e da necessidade de uso prolongado. O objetivo deste estudo é apresentar uma atualização clínica e epidemiológica dos transtornos do pânico e, por meio da propedêutica homeopática, relacionar os medicamentos mais indicados para tratar a referida enfermidade. Para isto, foram abordados os aspectos clínicos, epidemiológicos, biológicos, psicológicos e homeopáticos desses transtornos.(Transtornos do pánico (3)
 A seleção terapêutica homeopática baseou-se na compreensão da patofisiologia dos transtornos do pânico. A seleção de medicamentos que abrangem o espectro sintomático observado foi realizada por meio da técnica repertorial homeopática, e a escolha do medicamento mais adequado se pautou no mecanismo fisiopatológico medicamentoso, revelado pelos sintomas patogenéticos, que lhe confere característica diatésica específica.(Transtornos do pánico (3).

1. INTRODUÇÃO
 O homem, este ser biopsicossocial, procura estruturar a sua vida de modo a satisfazer
exigências biológicas internas, o que lhe determina um modelo de comportamento de
adaptação (BURZA, 1986). E, a sociedade pós-moderna atual impõe ao indivíduo fortes
pressões mentais que resultam em ansiedade e interferem no processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento da personalidade.
 O desenvolvimento filogenético do sistema nervoso humano, estruturado em razão de uma
atividade social complexa, tornou-o extremamente dependente do outro. A expectativa de ser atendido em suas necessidades básicas, e de ser protegido, já vem programada no recém-nascido e permanece por toda a vida do indivíduo. Nesse processo, a imagem do perigo, representado principalmente pelos predadores de outrora, se mantém como um arquétipo coletivo assumindo a forma de diferentes núcleos de sofrimento relacionados ao medo de não sobreviver.
 Concomitante à realidade atual do estilo de vida pós-moderno, registra-se um aumento da
morbidade e mortalidade decorrentes de diversas patologias mentais, como a síndrome
do pânico, a depressão, a esquizofrenia e os transtornos obsessivos e compulsivos,
juntamente com as doenças degenerativas orgânicas, segundo a Organização Mundial de
Saúde (2001).
 A literatura especializada apresenta diversas abordagens terapêuticas para os transtornos do pânico, entre elas o tratamento farmacológico é o mais empregado, apesar de seus
inconvenientes terapêuticos e da necessidade de uso prolongado. Alguns pacientes sob este
tipo de terapêutica agravam ou mantêm o tipo de ansiedade e os seus mecanismos de defesa e relações objetais, o que os levam a necessitar de outras abordagens médicas (GLOGER et al.,
1981; TIERNEY et al., 2003).
 O objetivo deste estudo é apresentar uma atualização clínica e epidemiológica dos
transtornos do pânico e, por meio da propedêutica homeopática, relacionar os medicamentos mais indicados para tratar a referida enfermidade.

2. DESENVOLVIMENTO

Aspectos clínicos
 Freud, em seus estudos psicanalíticos, datados de 1895, destacou do amplo conceito de neurastenia de Beard uma síndrome particular a qual denominou neurose de ansiedade ou de angústia, cujos sintomas relacionavam-se com os conflitos psicológicos do indivíduo, afirmando serem estes redutíveis à análise psicológica. Mas, somente após os trabalhos de Klein, realizados entre 1962 e 1964, que os critérios clínicos da neurose de ansiedade foram mais bem estabelecidos e a doença passou a ser denominada de transtornos do pânico (OTÁVIO, 1987) e, desde então, a constar na décima revisão da
Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde da OMS
(1995).
 As crises de pânico se caracterizam por ataques recorrentes de ansiedade grave que ocorrem geralmente de forma imprevisível, podendo ter períodos de regressão ou manterse com certa periodicidade. A crise de pânico dura alguns minutos e o paciente relata apresentar sensação de asfixia, distorções de percepção da realidade, confusão mental, medo de perder o autocontrole, de enlouquecer e de morrer, além de aceleração das frequências respiratória e cardíaca, palpitações cardíacas e dores torácicas. Em alguns pacientes, os sintomas gastroentéricos são freqüentes nas crises, podendo ocorrer em cerca de 1/3 dos casos. Alguns ataques de pânico ocorrem durante o sono, embora não estejam associados a pesadelos (TIERNEY et al., 2003).
 O paciente portador de transtornos do pânico não esquece a primeira crise, passando a temer o local que a precipitou, sendo capaz de precisar as circunstâncias de sua ocorrência,como o local, a hora, o que estava fazendo e até mesmo descrever a roupa que usava,denotando ter vivenciado uma experiência traumática (OTÁVIO, 1987). 
A quase totalidade dos pacientes passa a manifestar uma ansiedade por antecipação, com medo de ter outra crise, o que interfere significativamente em seu cotidiano (TIERNEY et al., 2003).
 O atendimento clínico do paciente em crise de pânico, em caráter emergencial, pode, em alguns casos, ser confundido com sintomas de cardiopatia aguda, devendo ser realizado o diagnóstico diferencial com as cardialgias de origem indeterminada. 
Outros distúrbios precisam ser investigados no quadro agudo de crise de pânico, como distúrbios da tireóide ou da paratireóide, feocromocitoma, intoxicação do sistema nervoso central, disfunções vestibulares ou crises convulsivas. (MUSSELMAN; NEMEROFF, 1996; GLOGER K. et al., 2001).
 A literatura registra a presença de co-morbidade nos pacientes portadores de
transtornos do pânico, denotando agravamento prognóstico. Dentre as condições clínicas que podem estar relacionadas a essa síndrome encontram-se a agorafobia, depressão,hipocondria, alcoolismo e hipertireoidismo (MUSSELMAN; NEMEROFF, 1996).
 O diagnóstico de transtornos do pânico deve ser apoiado por uma avaliação
psiquiátrica que empregue escalas e subescores que permitam o acompanhamento da evolução do quadro clínico, assim como a avaliação da resposta terapêutica (BANDELOW et al., 1999;(PEREIRA, 2001).

Aspectos epidemiológicos

 A epidemiologia aplicada à saúde mental torna-se uma área de estudo cada vez mais importante no campo da saúde pública, cujas pesquisas crescentes vêm possibilitando conhecer a magnitude de diversas desordens psíquicas na comunidade. Dados epidemiológicos atuais apontam para o aumento preocupante de diversas patologias psíquicas, dentre elas os transtornos do pânico,que já acometem cerca de 3% a 5% da população mundial, sendo considerado um grave problema atual de saúde pública (OMS/
OPAS, 2001; TIERNEY et al., 2003).
 Estudos demonstram que as mulheres são mais vulneráveis aos transtornos do pânico que os homens, numa proporção de 2:1, sendo a maior incidência na terceira década de vida.
Quando associado à agorafobia, esta taxa pode alcançar um índice de 3,7% nos homens e 7,9% nas mulheres. A freqüência e intensidade da crise de pânico parecem ser influenciadas pelos hormônios gonadais, pois os transtornos do pânico raramente ocorrem antes da puberdade ou após a menopausa, e as mulheres com flutuações das taxas de progesterona são as mais vulneráveis, tendo sido descrito exacerbação de crise de pânico no período pré-menstrual e diminuição na gravidez e na lactação (KLEIN, 1993).

 Um estudo de follow-up (TSUANG; TOHEN,2002) revelou uma distribuição bimodal, sendo registradas uma distribuição de início mais precoce, entre os 15 e 24 anos de idade, e uma distribuição de início tardio, entre os 45 e 54 anos, sendo que as pessoas idosas (com mais de 65 anos) apresentaram as menores taxas de prevalência dos transtornos do pânico.
 O curso da enfermidade é imprevisível, podendo durar de meses a anos. Alguns
estudos apontam a existência de um fator hereditário na determinação da susceptibilidade à enfermidade, porém algumas pessoas desenvolvem este transtorno sem nenhum antecedente familiar.
 O indicador desenvolvido pela OMS, em 1990, num estudo para avaliar a carga das doenças sobre a mortalidade prematura e anos vividos com limitações e incapacidades,denominado Dalys (Disability-Adjusted Life Years) revelou que as doenças mentais apresentam-se como importantes causas de anos de vida perdidos, seja por mortalidade precoce seja por limitações e incapacidades de longa duração. Entre elas, pode-se destacar a depressão, a síndrome do pânico e outras formas de ansiedade (OMS/OPAS, 2001).

Aspectos biológicos

 O estado de pânico fisiológico é uma condição orgânica que prepara o individuo
para a luta ou fuga, desenvolvida ao longo da evolução da espécie, vantajosa para a
autopreservação. A crise de pânico difere neurofisiologicamente da reação fisiológica de
emergência de alarme por não apresentar a peculiar reação autonômica e endócrina, exceto
quando associada à agorafobia.
 As estruturas neurológicas envolvidas primariamente no processamento da crise de
pânico compreendem o tronco cerebral, o sistema límbico e o córtex pré-frontal, que
possuem extensas conexões eferentes e aferentes entre si. Estudos experimentais (GORMAN et al., 1989) demonstraram que as crises de pânico são desencadeadas no nível do locus ceruleus, núcleo de neurônios localizados no tronco cerebral, que libera altas taxas de adrenalina, sendo a atividade deste núcleo modulada por fibras serotoninérgicas provenientes do núcleo medial da rafe. Klein (1993) propõe a existência de um sistema central de alarme da sufocação, de natureza serotoninérgica, responsável pela avaliação das taxas de PaCO2 cerebral. O referido autor afirma que os transtornos do pânico seriam desencadeados por uma ativação errônea deste sistema de alarme e que os indivíduos predispostos apresentariam uma
hipersensibilidade ao CO2, o que explicaria a manifestação de dispnéia sempre presente
nesta síndrome, e ausente nas reações fisiológicas de medo ante o perigo. Isso pode,
também, explicar porque determinadas situações de natureza psicossocial relacionadas
à hiperventilação, como o enclausuramento, a imobilidade e o afogamento, podem ativar o
sistema de alarme de sufocação. Experimentalmente Nard et al. (1999) demonstraram que a crise de pânico pode ser precipitada por hiperventilação em pacientes portadores de transtorno de pânico, e preconizaram esta prática como método
diagnóstico. Estudos experimentais (GORMAN et al., 1989;NARD et al., 1999) evidenciam que os pacientes portadores de transtornos do pânico apresentam uma disfunção nos receptores do centro da sufocação, responsáveis pela detecção de níveis intoleráveis de CO2, que
superestima determinados estímulos ambientais que não se constituem em perigo
real, em um processo de antecipação do futuro,como memória de emoção negativa (BURZA,
1986). Esse distúrbio resulta em uma intensa liberação de adrenalina, apesar de o
hipotálamo, que detecta as necessidades internas e cria a motivação biológica, não
registrar modificações reais nos níveis sanguíneos de CO2. Dessa forma, o estímulo
oriundo do locus ceruleus é processado pelo sistema límbico, que introduz a sensação de
emoção negativa, e a repassa para o córtex cerebral frontal que reage determinando um
comportamento fóbico, criando uma memória antecipatória para eventos futuros. Esta
informação será adicionada à estrutura pisicológica do indivíduo que a manifestará
individualmente, na forma de uma ansiedade antecipatória.
 A ansiedade antecipatória presente nos transtornos de pânico é conseqüência de uma
inibição da atividade do sistema límbico, principalmente das amídalas e do hipocampo,
regiões ricas em receptores benzodiazepínicos,devido à atividade aumentada do locus
ceruleus. As aferências e eferências com o córtex cerebral, hipotálamo, hipocampo, tronco
cerebral e formação reticular explicam a ocorrência de interferências nas funções
vegetativas.
 A existência de padrões de condutas de evitação fóbica presente nos pacientes
portadores de transtornos do pânico resulta da atividade cognitiva superior promovida pelo
córtex pré-frontal, que promove a associação entre a tormenta fisiológica e o contexto
ambiental (OTÁVIO, 1987).
Aspectos psicológicos
 O pânico consiste em uma forma grave e debilitante de ansiedade que compromete
acentuadamente a qualidade de vida dos pacientes. Estudos em neuropsiquiatria
(ALMEIDA; NARDI, 2002) revelaram que os pacientes acometidos pela doença tendem a
apresentar um prolongamento da fase simbiótica do relacionamento, timidez e
dificuldade para expressar a agressividade. A persistência de conflitos envolvendo
mecanismos psicológicos de dependência/independência predispõe esses
pacientes a sintomas de ansiedade e medo.  Os portadores de transtornos do pânico, em
sua maioria, são competentes, confiáveis e exigentes consigo mesmo. Demonstram
tendência a se preocupar excessivamente com problemas cotidianos, e de estar no controle e na aprovação, assumem uma carga excessiva de responsabilidades e afazeres e não
convivem bem com erros ou imprevistos.
Geralmente ignoram as necessidades físicas do corpo e apresentam uma dificuldade para lidar com os sentimentos negativos e com a frustração. Sentem-se ameaçados externamente
por algo definido, ou até mesmo por um estímulo interno, inconsciente ou reprimido, de origem conflituosa, que é deslocado para outro objeto no mundo exterior. Esse estado clínico revela um distúrbio dos mecanismos de defesa do ego, que resulta de um desequilíbrio adaptativo com os mundos externo e interno.
Geralmente, esses pacientes apresentam um profundo vazio em suas vidas e uma percepção da inevitabilidade da morte. A existência de antecedentes biográficos sugere possíveis padrões comuns de vulnerabilidade psicológica.
 Um estudo empregando um modelo psicodinâmico em pacientes com transtornos do pânico (SHEAR et al., 1993) verificou que os sintomas clínicos mais comuns consistiram em medo excessivo desde a infância, sensibilidade às agressões e auto-estima fraca. Os indivíduos, em sua maioria, apresentaram antecedentes de pais atemorizantes, críticos e controladores, ou então passivos e medrosos, portadores de conflitos conjugais e/ou alcoolismo. Um fator desencadeante comum foi a percepção de frustração e ressentimento
nas relações pessoais ou profissional. 
Os autores concluem que existe uma atitude temerosa inata frente a situações não familiares, persistência de conflitos na esfera da dependência – independência que leva à sensação de sufocamento, e relações objetais
de representação débil de si mesmo em comparação com o outro.


Fonte:www.ihb.org.br/ojs/index.php/artigos 37

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