Dados epidemiológicos apontam para o aumento
preocupante de diversas patologias psíquicas, dentre elas os transtornos do
pânico, que se tornaram um grave problema atual de saúde pública. A literatura
especializada apresenta diversas abordagens terapêuticas para esses
transtornos, entre elas o tratamento farmacológico é o mais empregado, apesar
de seus inconvenientes terapêuticos e da necessidade de uso prolongado. O
objetivo deste estudo é apresentar uma atualização clínica e epidemiológica dos
transtornos do pânico e, por meio da propedêutica homeopática, relacionar os
medicamentos mais indicados para tratar a referida enfermidade. Para isto,
foram abordados os aspectos clínicos, epidemiológicos, biológicos, psicológicos
e homeopáticos desses transtornos.(Transtornos do pánico (3)
A seleção terapêutica homeopática baseou-se na
compreensão da patofisiologia dos transtornos do pânico. A seleção de
medicamentos que abrangem o espectro sintomático observado foi realizada por
meio da técnica repertorial homeopática, e a escolha do medicamento mais
adequado se pautou no mecanismo fisiopatológico medicamentoso, revelado pelos
sintomas patogenéticos, que lhe confere característica diatésica específica. (Transtornos do pánico (3).
1. INTRODUÇÃO
O homem, este ser biopsicossocial, procura estruturar
a sua vida de modo a satisfazer
exigências biológicas internas, o
que lhe determina um modelo de comportamento de
adaptação (BURZA, 1986). E, a
sociedade pós-moderna atual impõe ao indivíduo fortes
pressões mentais que resultam em
ansiedade e interferem no processo de desenvolvimento e aperfeiçoamento da
personalidade.
O desenvolvimento filogenético do sistema nervoso
humano, estruturado em razão de uma
atividade social complexa, tornou-o
extremamente dependente do outro. A expectativa de ser atendido em suas necessidades
básicas, e de ser protegido, já vem programada no recém-nascido e permanece por
toda a vida do indivíduo. Nesse processo, a imagem do perigo, representado principalmente
pelos predadores de outrora, se mantém como um arquétipo coletivo assumindo a
forma de diferentes núcleos de sofrimento relacionados ao medo de não sobreviver.
Concomitante à realidade atual do estilo de vida
pós-moderno, registra-se um aumento da
morbidade e mortalidade
decorrentes de diversas patologias mentais, como a síndrome
do pânico, a depressão, a
esquizofrenia e os transtornos obsessivos e compulsivos,
juntamente com as doenças
degenerativas orgânicas, segundo a Organização Mundial de
Saúde (2001).
A literatura especializada apresenta diversas abordagens
terapêuticas para os transtornos do pânico, entre elas o tratamento
farmacológico é o mais empregado, apesar de seus
inconvenientes terapêuticos e da
necessidade de uso prolongado. Alguns pacientes sob este
tipo de terapêutica agravam ou
mantêm o tipo de ansiedade e os seus mecanismos de defesa e relações objetais,
o que os levam a necessitar de outras abordagens médicas (GLOGER et al.,
1981; TIERNEY et al., 2003).
O objetivo deste estudo é apresentar uma atualização
clínica e epidemiológica dos
transtornos do pânico e, por meio
da propedêutica homeopática, relacionar os medicamentos mais indicados para
tratar a referida enfermidade.
2. DESENVOLVIMENTO
Aspectos clínicos
Freud, em seus estudos psicanalíticos, datados
de 1895, destacou do amplo conceito de neurastenia de Beard uma
síndrome particular a qual denominou neurose de ansiedade ou de angústia, cujos
sintomas relacionavam-se com os conflitos psicológicos do indivíduo, afirmando serem
estes redutíveis à análise psicológica. Mas, somente após os trabalhos de Klein, realizados
entre 1962 e 1964, que os critérios clínicos da neurose de ansiedade foram mais bem
estabelecidos e a doença passou a ser denominada de transtornos do pânico
(OTÁVIO, 1987) e, desde então, a constar na décima revisão da
Classificação estatística
internacional de doenças e problemas relacionados à saúde da OMS
(1995).
As crises de pânico se caracterizam por ataques
recorrentes de ansiedade grave que ocorrem geralmente de forma imprevisível,
podendo ter períodos de regressão ou manterse com certa periodicidade. A crise
de pânico dura alguns minutos e o paciente relata apresentar sensação de asfixia,
distorções de percepção da realidade, confusão mental, medo de perder o autocontrole,
de enlouquecer e de morrer, além de aceleração das frequências respiratória e
cardíaca, palpitações cardíacas e dores torácicas. Em alguns pacientes, os sintomas
gastroentéricos são freqüentes nas crises, podendo ocorrer em cerca de 1/3 dos casos.
Alguns ataques de pânico ocorrem durante o sono, embora não estejam associados a
pesadelos (TIERNEY et al., 2003).
O paciente portador de transtornos do pânico
não esquece a primeira crise, passando a temer o local que a precipitou,
sendo capaz de precisar as circunstâncias de sua ocorrência,como o local, a hora, o que
estava fazendo e até mesmo descrever a roupa que usava,denotando ter vivenciado uma
experiência traumática (OTÁVIO, 1987).
A quase totalidade dos pacientes passa a manifestar
uma ansiedade por antecipação, com medo de ter outra crise, o que interfere
significativamente em seu cotidiano (TIERNEY et al., 2003).
O atendimento clínico do paciente em crise de
pânico, em caráter emergencial, pode, em alguns casos, ser confundido com
sintomas de cardiopatia aguda, devendo ser realizado o diagnóstico diferencial com as
cardialgias de origem indeterminada.
Outros distúrbios precisam ser investigados no
quadro agudo de crise de pânico, como distúrbios da tireóide ou da
paratireóide, feocromocitoma, intoxicação do sistema nervoso central,
disfunções vestibulares ou crises
convulsivas. (MUSSELMAN; NEMEROFF, 1996; GLOGER K. et al., 2001).
A literatura registra a presença de co-morbidade
nos pacientes portadores de
transtornos do pânico, denotando
agravamento prognóstico. Dentre as condições clínicas que podem estar
relacionadas a essa síndrome encontram-se a agorafobia, depressão,hipocondria, alcoolismo e
hipertireoidismo (MUSSELMAN; NEMEROFF, 1996).
O diagnóstico de transtornos do pânico deve
ser apoiado por uma avaliação
psiquiátrica que empregue escalas
e subescores que permitam o acompanhamento da evolução do quadro clínico, assim
como a avaliação da resposta terapêutica (BANDELOW et al., 1999;(PEREIRA,
2001).
Aspectos epidemiológicos
A epidemiologia aplicada à saúde mental torna-se
uma área de estudo cada vez mais importante no campo da saúde
pública, cujas pesquisas crescentes vêm possibilitando conhecer a magnitude de diversas
desordens psíquicas na comunidade. Dados epidemiológicos atuais apontam
para o aumento preocupante de diversas patologias psíquicas, dentre elas os
transtornos do pânico,que já acometem cerca de 3% a 5% da população mundial, sendo
considerado um grave problema atual de saúde pública (OMS/
OPAS, 2001; TIERNEY et al.,
2003).
Estudos demonstram que as mulheres são mais
vulneráveis aos transtornos do pânico que os homens, numa proporção de 2:1,
sendo a maior incidência na terceira década de vida.
Quando associado à agorafobia,
esta taxa pode alcançar um índice de 3,7% nos homens e 7,9% nas mulheres. A freqüência e
intensidade da crise de pânico parecem ser influenciadas pelos hormônios gonadais, pois os
transtornos do pânico raramente ocorrem antes da puberdade ou após a menopausa, e
as mulheres com flutuações das taxas de progesterona são as mais vulneráveis, tendo sido
descrito exacerbação de crise de pânico no período pré-menstrual e diminuição na
gravidez e na lactação (KLEIN, 1993).
Um estudo de follow-up (TSUANG; TOHEN,2002)
revelou uma distribuição bimodal, sendo registradas uma distribuição de
início mais precoce, entre os 15 e 24 anos de idade, e uma distribuição de início tardio,
entre os 45 e 54 anos, sendo que as pessoas idosas (com mais de 65 anos) apresentaram as
menores taxas de prevalência dos transtornos do pânico.
O curso da enfermidade é imprevisível, podendo
durar de meses a anos. Alguns
estudos apontam a existência de
um fator hereditário na determinação da susceptibilidade à enfermidade, porém algumas
pessoas desenvolvem este transtorno sem nenhum antecedente familiar.
O indicador desenvolvido pela OMS, em 1990,
num estudo para avaliar a carga das doenças sobre a mortalidade
prematura e anos vividos com limitações e incapacidades,denominado Dalys
(Disability-Adjusted Life Years) revelou que as doenças mentais apresentam-se como importantes
causas de anos de vida perdidos, seja por mortalidade precoce seja por limitações e
incapacidades de longa duração. Entre elas, pode-se destacar a depressão, a síndrome do pânico e
outras formas de ansiedade (OMS/OPAS, 2001).
Aspectos biológicos
O estado de pânico fisiológico é uma condição
orgânica que prepara o individuo
para a luta ou fuga, desenvolvida
ao longo da evolução da espécie, vantajosa para a
autopreservação. A crise de
pânico difere neurofisiologicamente da reação fisiológica de
emergência de alarme por não
apresentar a peculiar reação autonômica e endócrina, exceto
quando associada à agorafobia.
As estruturas neurológicas envolvidas primariamente
no processamento da crise de
pânico compreendem o tronco
cerebral, o sistema límbico e o córtex pré-frontal, que
possuem extensas conexões
eferentes e aferentes entre si. Estudos experimentais (GORMAN et al., 1989) demonstraram
que as crises de pânico são desencadeadas no nível do locus ceruleus, núcleo de
neurônios localizados no tronco cerebral, que libera altas taxas de adrenalina,
sendo a atividade deste núcleo modulada por fibras serotoninérgicas
provenientes do núcleo medial da rafe. Klein (1993) propõe a existência de um sistema
central de alarme da sufocação, de natureza serotoninérgica, responsável pela avaliação
das taxas de PaCO2 cerebral. O referido autor afirma que os transtornos do pânico
seriam desencadeados por uma ativação errônea deste sistema de alarme e que os indivíduos
predispostos apresentariam uma
hipersensibilidade ao CO2, o que
explicaria a manifestação de dispnéia sempre presente
nesta síndrome, e ausente nas
reações fisiológicas de medo ante o perigo. Isso pode,
também, explicar porque
determinadas situações de natureza psicossocial relacionadas
à hiperventilação, como o
enclausuramento, a imobilidade e o afogamento, podem ativar o
sistema de alarme de sufocação. Experimentalmente
Nard et al. (1999) demonstraram que a crise de pânico pode ser precipitada por
hiperventilação em pacientes portadores de transtorno de pânico, e preconizaram
esta prática como método
diagnóstico. Estudos
experimentais (GORMAN et al., 1989;NARD et al., 1999) evidenciam que os
pacientes portadores de transtornos do pânico apresentam uma disfunção nos
receptores do centro da sufocação, responsáveis pela detecção de níveis intoleráveis
de CO2, que
superestima determinados
estímulos ambientais que não se constituem em perigo
real, em um processo de
antecipação do futuro,como memória de emoção negativa (BURZA,
1986). Esse distúrbio resulta em
uma intensa liberação de adrenalina, apesar de o
hipotálamo, que detecta as
necessidades internas e cria a motivação biológica, não
registrar modificações reais nos
níveis sanguíneos de CO2. Dessa forma, o estímulo
oriundo do locus ceruleus é
processado pelo sistema límbico, que introduz a sensação de
emoção negativa, e a repassa para
o córtex cerebral frontal que reage determinando um
comportamento fóbico, criando uma
memória antecipatória para eventos futuros. Esta
informação será adicionada à
estrutura pisicológica do indivíduo que a manifestará
individualmente, na forma de uma
ansiedade antecipatória.
A ansiedade antecipatória presente nos transtornos
de pânico é conseqüência de uma
inibição da atividade do sistema
límbico, principalmente das amídalas e do hipocampo,
regiões ricas em receptores
benzodiazepínicos,devido à atividade aumentada do locus
ceruleus. As aferências e
eferências com o córtex cerebral, hipotálamo, hipocampo, tronco
cerebral e formação reticular
explicam a ocorrência de interferências nas funções
vegetativas.
A existência de padrões de condutas de evitação
fóbica presente nos pacientes
portadores de transtornos do
pânico resulta da atividade cognitiva superior promovida pelo
córtex pré-frontal, que promove a
associação entre a tormenta fisiológica e o contexto
ambiental (OTÁVIO, 1987).
Aspectos psicológicos
O pânico consiste em uma forma grave e debilitante
de ansiedade que compromete
acentuadamente a qualidade de
vida dos pacientes. Estudos em neuropsiquiatria
(ALMEIDA; NARDI, 2002) revelaram
que os pacientes acometidos pela doença tendem a
apresentar um prolongamento da
fase simbiótica do relacionamento, timidez e
dificuldade para expressar a
agressividade. A persistência de conflitos envolvendo
mecanismos psicológicos de dependência/independência
predispõe esses
pacientes a sintomas de ansiedade
e medo. Os portadores de transtornos do
pânico, em
sua maioria, são competentes,
confiáveis e exigentes consigo mesmo. Demonstram
tendência a se preocupar
excessivamente com problemas cotidianos, e de estar no controle e na aprovação,
assumem uma carga excessiva de responsabilidades e afazeres e não
convivem bem com erros ou
imprevistos.
Geralmente ignoram as
necessidades físicas do corpo e apresentam uma dificuldade para lidar com os
sentimentos negativos e com a frustração. Sentem-se ameaçados externamente
por algo definido, ou até mesmo
por um estímulo interno, inconsciente ou reprimido, de origem conflituosa, que é
deslocado para outro objeto no mundo exterior. Esse estado clínico revela um
distúrbio dos mecanismos de defesa do ego, que resulta de um desequilíbrio adaptativo
com os mundos externo e interno.
Geralmente, esses pacientes
apresentam um profundo vazio em suas vidas e uma percepção da inevitabilidade da morte. A
existência de antecedentes biográficos sugere possíveis padrões comuns de vulnerabilidade
psicológica.
Um estudo empregando um modelo psicodinâmico
em pacientes com transtornos do pânico (SHEAR et al., 1993)
verificou que os sintomas clínicos mais comuns consistiram em medo excessivo
desde a infância, sensibilidade às agressões e auto-estima fraca. Os indivíduos, em sua maioria,
apresentaram antecedentes de pais atemorizantes, críticos e controladores, ou então passivos
e medrosos, portadores de conflitos conjugais e/ou alcoolismo. Um fator
desencadeante comum foi a percepção de frustração e ressentimento
nas relações pessoais ou
profissional.
Os autores concluem que existe uma atitude temerosa inata frente a situações
não familiares, persistência de conflitos na esfera da dependência – independência
que leva à sensação de sufocamento, e relações objetais
de representação débil de si mesmo em comparação com
o outro.Fonte:www.ihb.org.br/ojs/index.php/artigos 37
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