Se nos últimos 50 anos ocorreram grandes avanços no
tratamento e prevenção das doenças cardíacas, nos próximos 50 provavelmente
assistiremos isso acontecer em relação às doenças do fígado. Além da hepatite
C, que hoje acomete 3% da população mundial e supera a AIDS em número de casos,
diversas outras doenças hepáticas passam ganhar maior importância nos meios
científicos.
O fígado, maior víscera do corpo humano, é um de nossos
órgãos essenciais. Pela veia porta chega ao fígado todas as substâncias
absorvidas pelo tubo digestivo, com exceção de parte dos lipídios que é
transportada por via linfática. Ao receber esses nutrientes, o fígado sintetiza
proteínas e armazena glicose para ser usada nos períodos de jejum, além de
vitaminas e gorduras.
Outras funções não menos importantes são a desintoxicação e
neutralização de toxinas que tenham sido absorvidas, e a secreção de bile,
que se concentra na vesícula, para participar da digestão especialmente de
gorduras.
Cerca de 71% da composição do fígado é de água. Para se ter
uma idéia comparativa, o sangue tem 78%. Por isso a medicina antroposófica o
chama de “órgão água”. Ao lado disso ele participa ativamente do balanço
hídrico do corpo humano. Como a água é o veículo imprescindível da vida, o
fígado é o principal órgão da nossa vitalidade.
De acordo com Rudolf Steiner e Ita Wegman, criadores da
medicina antroposófica, no metabolismo existem 2 ritmos complementares e
alternados: a atividade biliar e a atividade hepática. A primeira é diurna, tem
seu pico às 15 horas, é catabólica, caracterizada pela maior excreção de bile –
o que explica a melhor tolerância aos alimentos gordurosos durante o dia. À
noite, com pico às 3 horas, predomina a atividade do fígado, de anabolismo, de
armazenamento de glicose.
Para a medicina antroposófica, as doenças psíquicas podem se
originar na esfera orgânico-vital. Depressão e insônia, por exemplo, podem ter
sua origem no metabolismo, especialmente no fígado, assim como a enxaqueca.
O fígado faz a individualização das substâncias e cuida do
metabolismo energético, o que nos confere vontade, força para decisão e
atuação. O correto funcionamento do fígado deve trazer os aspectos fleumáticos
do temperamento: bem estar, aparência jovial e uma boa “metabolização” das
vivências tristes, que não chegam a causar depressão. O mal funcionamento do
fígado pode levar à fraqueza de vontade, inércia, depressão, sintomas
digestivos (empachamento, gosto amargo, intolerância à gordura) e medo da
vida.
Quando Hipócrates, o pai da medicina, nomeou a melancolia,
ele fazia referência a um processo hepático mórbido (mélas, ‘negro’ + kholê, ‘bile’;
melancolia: bile negra).
Para harmonizar o ritmo fígado – atividade biliar, algumas
orientações alimentares são úteis. Na depressão, a pessoa não se interessa pelo
mundo. Para que exista na alma esse interesse, deve-se formar no metabolismo a
base do mesmo processo, relacionado ao alimento – que vem do mundo externo. Os
amargos assumem papel central – rúcula, agrião, chicória, almeirão, boldo do
Chile, mil folhas, losna, carqueja etc. Somados aos condimentos, eles fazem o
processo digestivo ter mais “interesse” pelo alimento, aumentando a quantidade
e a qualidade dos sucos digestivos. Devem ser evitados: açúcar concentrado, as
gorduras animais e o leite (extremamente fermentativo), e àqueles cansados
mentalmente deve-se recomendar raízes e tubérculos coloridos (beterraba,
cenoura, mandioquinha, salsa, etc.) para vitalizar o sistema neuro sensorial.
Deve se dar preferência aos alimentos orgânicos, visando não
intoxicar ainda mais o fígado com os agrotóxicos e fertilizantes químicos,
usualmente encontrados nos alimentos não orgânicos.
Ritmo é fundamental, pois a base de nosso metabolismo está
ligada ao ritmo, contrariamente às tendências da vida moderna. Sono e vigília;
trabalho e descanso; horários regulares de alimentação – quando tudo isso
ocorre com harmonia, existe uma capacidade vital maior.
Obviamente que esse é apenas o início de um tratamento mais
profundo, que deverá ser conduzido por médico com experiência no assunto.
Visão semelhante tem a medicina tradicional chinesa, que
considera que no fígado aloja-se o hun, a alma etérea, que dá a
capacidade de realizar os sonhos, ter estratégias com discernimento e
sabedoria, e é afetado pela raiva.
Ao lado daquilo que essas abordagens médicas holísticas dão
aos problemas do fígado, cabe a cada um cuidar bem de sua vitalidade, para
assim assistir o que virá nos próximos 50 anos. Ou 100.