Marcus Zulian Teixeira é médico homeopata com PhD e
coordenador da disciplina Fundamentos da Homeopatia da FMUSP
Com assombro e preocupação tomamos conhecimento da recente
matéria A homeopatia é uma farsa criminosa, publicada pelo pesquisador Beny
Spira no Jornal da USP, crítica mordaz e desrespeitosa à excelente reportagem
Ensino de homeopatia veterinária é deficiente, afirma pesquisadora, em que a
pesquisadora Clarice Vaz de Oliveira expõe de forma clara e objetiva as
dificuldades encontradas pela homeopatia em ser aceita no âmbito acadêmico,
para que possa desenvolver atividades de ensino, pesquisa e assistência.
Incomodado pelas verdades citadas, talvez por ser partícipe dos impedimentos
descritos, o crítico exagerou nos impropérios, extrapolando os limites do
debate ético-científico.
Ao definir o exercício profissional da homeopatia como uma
“farsa” ou um “crime”, Beny Spira comete delitos em diversas esferas. No campo
penal, atribuindo o título de “farsantes” ou “criminosos” aos milhares de
médicos, médicos-veterinários, cirurgiões-dentistas e farmacêuticos homeopatas,
que obtiveram títulos de especialistas junto aos respectivos Conselhos de
Classe (CFM, CFMV, CFO e CFF), comete “calúnia”, “difamação” e “injúria” contra
esses profissionais, “Crimes Contra a Honra” enquadrados, respectivamente, nos
artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, afetando a imagem, a reputação e a
dignidade dos mesmos perante a sociedade.
No campo ético-profissional, caso faça parte de alguma
dessas classes profissionais (curiosamente, omite sua formação acadêmica em seu
Currículo Lattes), estará infringindo grave delito perante seus pares. Perante
o Código de Ética da USP e seus colegas pesquisadores homeopatas, desrespeita
os artigos 4º, 5º e 7º “Dos Princípios Comuns”, ferindo “o direito à liberdade
de expressão dentro de normas de civilidade e sem quaisquer formas de
desrespeito” e divulgando “informações de maneira sensacionalista, promocional
ou inverídica”, dentre outros.
Em vista dos projetos de ensino e pesquisa homeopática que
vimos desenvolvendo junto à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(FMUSP) desde 2002, temos colaborado na elaboração de várias matérias
esclarecedoras sobre a episteme ou racionalidade científica homeopática
publicadas no Jornal da USP (1, 2, 3, 4, 5), na Agência USP de Notícias (6, 7),
na Rádio USP (8) e na revista Espaço Aberto (9, 10). Nesta última (2012), em
debate com o referido pesquisador, citamos inúmeras evidências científicas em resposta
às suas provocações, as quais, infelizmente, parecem ter sido ignoradas e
negadas por ele, pois ele repete os mesmos argumentos falaciosos à época. Tal
postura, além de configurar os delitos anteriormente citados, demonstra a
máxima do filósofo William Hazlitt: “O preconceito é filho da ignorância”.
Dentre as atividades realizadas junto à FMUSP, além da
elaboração de estudos relacionados à educação médica em terapêuticas não
convencionais (11, 12, 13, 14, 15), coordenamos a disciplina optativa Fundamentos
da Homeopatia e desenvolvemos projetos de pesquisa clínica em homeopatia (Tese
de doutorado e Tese de pós-doutorado), tendo como orientadores professores
titulares isentos de preconceitos, que nos permitem expor, discutir e confirmar
as premissas do modelo homeopático através de aulas, cursos, estudos e
pesquisas científicas.
A título de esclarecimento geral, o modelo científico
homeopático está embasado em quatro pressupostos: (i) princípio de cura pela
semelhança (similitude terapêutica), (ii) experimentação de medicamentos em
indivíduos sadios (ensaios patogenéticos homeopáticos), (iii) prescrição de
medicamentos individualizados e (iv) uso de medicamentos dinamizados
(ultradiluídos). Embora se atribua grande importância ao medicamento dinamizado,
as duas primeiras premissas são os alicerces da episteme homeopática, restando
ao medicamento individualizado (escolhido segundo a totalidade de sinais e
sintomas característicos) a condição inerente para que a reação terapêutica do
organismo venha a ocorrer (16).
Mostrando que esses pressupostos não são “arcaicos”, como
afirma o pesquisador, o princípio da similitude terapêutica (similia similibus
curentur) está fundamentado cientificamente no estudo do efeito rebote dos
fármacos modernos, linha de pesquisa que vimos desenvolvendo nas últimas
décadas, com centenas de evidências e diversas publicações (17, 18, 19, 20, 21,
22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29). Segundo essas pesquisas, a reação secundária
do organismo, utilizada de forma curativa quando aplicamos a similitude
terapêutica, é descrita pela farmacologia moderna como efeito rebote ou reação
paradoxal do organismo, sendo observada após a descontinuação de inúmeras
classes de fármacos, agravando os sintomas da doença a níveis superiores aos
anteriores do tratamento, podendo causar, inclusive, iatrogenias graves e
fatais. Como é que o pesquisador afirma que ele “carece de evidências
científicas”?
Ampliando essa linha de pesquisa e contribuindo ao
“progresso da ciência homeopática”, desde 2003, vimos propondo usar os fármacos
modernos segundo o princípio da similitude terapêutica
(www.newhomeopathicmedicines.com), empregando medicamentos que causam
determinados sintomas, como eventos adversos, para tratar indivíduos doentes
com os mesmos transtornos. Agregando diversas publicações científicas que
embasam essa proposta (30, 31, 32, 33, 34), aplicamos essa metodologia em nossa
Tese de pós-doutorado, utilizando o estrogênio (17-beta estradiol) dinamizado
para tratar a dor pélvica crônica de pacientes portadoras de endometriose, em
vista de o estrogênio causar proliferação endometrial como evento adverso e a
endometriose ser uma síndrome estrogênio-dependente. Com resultados bastante
animadores (35, 36), essa proposta pode ser utilizada no tratamento de uma infinidade
de doenças modernas (34), reiterando a universalidade do princípio da
similitude terapêutica (“lei ou princípio natural”), independentemente do tipo
de substância utilizada (natural ou sintética) ou da dose empregada (ponderal
ou infinitesimal), como no caso do trióxido de arsênico, citado pelo
pesquisador. Ausência de evidências científicas ou negação das existentes?
Quanto aos medicamentos homeopáticos dinamizados
(ultradiluídos), desacreditados em seu poder de ação pela concepção
farmacológica dose-dependente, inúmeros experimentos em pesquisa básica
utilizando modelos físico-químicos (40) e biológicos (41, 42, 43, 44)
evidenciam que a “informação” dessas doses infinitesimais provoca os mesmos
efeitos que a substância de origem, ou desperta a reação terapêutica quando
aplicada a similitude terapêutica. O fato de esses efeitos serem observados em
células, plantas e animais descarta a falsa hipótese de que o “efeito placebo”
é a única explicação plausível para a ocorrência do fenômeno homeopático. Ausência
de evidências científicas ou negação das existentes?
Como citado anteriormente, a individualização do medicamento
homeopático perante a totalidade de sintomas característicos do doente é uma
condição inerente para que a resposta curativa do organismo seja despertada,
exigindo-se consultas periódicas no ajuste do medicamento perante o binômio
doente-doença. Em vista disso, os modelos de pesquisa em homeopatia devem
respeitar a individualização medicamentosa, disponibilizando um tempo maior de
acompanhamento. Ensaios clínicos que desprezaram essa premissa epistemológica
não apresentaram eficácia clínica perante o placebo.
Dentre outras falhas metodológicas, a seleção de ensaios
clínicos que desrespeitaram a individualização medicamentosa foi importante
viés na segunda análise da metanálise publicada no Lancet em 2005 e no
relatório do governo australiano, estudos citados pelo pesquisador como
norteadores para a (falsa) conclusão de que “o tratamento homeopático equivale
ao tratamento com placebo”.
Como fizemos com a endometriose (36), ensaios clínicos
placebos-controlados (e respectivas metanálises) demonstram a eficácia do
tratamento homeopático perante o placebo em diversas classes de doenças
(infecções do trato respiratório superior, diarreia, otite média aguda,
síndrome pré-menstrual, fibromialgia, síndrome da fadiga crônica, transtorno do
déficit de atenção e hiperatividade, dentre outras) (45, 46, 47, 48, 49, 50),
apesar das dificuldades metodológicas encontradas na elaboração dos mesmos,
para que respeitem a episteme homeopática. Ausência de evidências científicas
ou negação das existentes?
Todos os pesquisadores que criticam o modelo científico
homeopático por preconceito ou opinião dogmática, ignorando e desprezando suas
evidências de forma sistemática, se afastam da “busca pela verdade” que tanto
propagam, agindo como verdadeiros pseudocientistas. Como já disse no passado,
“o orgulho científico entorpece a mente dos pesquisadores, fazendo-os desprezar
aquilo que desconhecem”.
Autor:Marcus Zulian Teixeira é médico homeopata com PhD e coordenador da disciplina Fundamentos da Homeopatia da FMUSP