31 de jan. de 2013

Homeopatia e Universidade






Hoje não padece dúvida alguma de que a homeopatia é uma ciência. Trata-se de um saber sui generis: tanto no paradigma em que é produzido quanto nos procedimentos e efeitos de sua prática.
É interessante notar que, como Hahnemann afirma com segurança total, a homeopatia é a primeira medicina experimental que surgiu no mundo. Contrariamente à pratica da medicina oficial da época, a homeopatia se impunha com um rigor científico admirável. Toda intervenção do médico homeopata a partir da descoberta de Hahnemann, é uma prática comprovada por um experimento realizado com cada medicamento em pessoas sadias. Mais tarde com o advento das chamadas ciências experimentais de laboratório e sua averiguação matemática passou-se a denominar ciência exclusivamente aquela que responde ao modelo positivista. Daí para frente os homeopatas passaram a ter verdadeiros anseios para enquadrar a homeopatia nesse modelo. E, ainda mais, há dois aspectos importantes: de um lado os homeopatas passaram a ter certo receio de ver sua prática condenada pela medicina oficial, daí uma certa subserviência  a ela e, de outro lado, evidentemente, passaria a travar uma luta para conseguir o reconhecimento dessa medicina.
A universidade é uma instituição que, a partir de sua própria definição nominal, se destina a investigar todo e qualquer saber, de toda e qualquer natureza. Quando a universidade se pauta exclusivamente pelo modelo em moda de fazer ciência, ela foge à sua finalidade e passa a ser dogmática. Ela não consegue ver além daquilo que está ao alcance do modelo de ciência a que se restringiu. Esse procedimento é contraditório com a própria proposta da universidade dos saberes, dos quais só conhecemos alguns e, muitas vezes, temporariamente segundo um modelo, ou um aspecto apenas do saber estabelecido. Vide a física newtoniana e a física quântica, a astronomia ptolomáica e a de Copérnico. Em medicina dia a dia vivemos conceitos contraditórios tanto teóricos quanto clínicos. Hoje costumamos dizer que medicina é moda: ontem, exempli gratia, o vilão da saúde dos mortais era o açúcar, hoje é o colesterol. Antes da  descoberta da encefalite espongiforme por Creustfeld-Jakob quem poderia imaginar que uma pré-proteina (prion) poderia ser um agente infeccioso  fatal ? E quantos professores ensinaram ex cathedra que sómente uma bactéria ou um vírus poderiam causar infecção nos seres vivos ? A atitude dogmática no saber é o maior obstáculo ao caminhar dos saberes, pois trata-se sempre de um saber cego, cuja única finalidade é manter o poder de quem o propala. Isso equivale ao fanatismo das religiões. É acabrunhante quando achamos que o saber é aquele que temos em nossa inteligência ou aquele que ministramos no cargo que exercemos. Facilmente trocamos pesquisa contínua pela repetição da mesmice.
A dialética dos saberes nos coloca sempre na frisa do tempo e importa não tomar o momento sincrônico como sendo a diacronia da ciência.
De todo modo se considerarmos que a universidade continua presa a um único paradigma de ciência, sobretudo a ciência médica, evidentemente não há lugar para a homeopatia na universidade. Mas isso, apenas por exclusão preconceituosa.
Interessante notar que a psicanálise se coloca sob a mesma situação: o saber psicanalítico foge integralmente ao paradigma positivista e mesmo fenomenológico. A psicanálise é uma prática clínica do inconsciente. Ora que tem isso a ver com a ciência positivista ? Muitas vezes, em estudo de caso no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Unicamp, cada vez que fazíamos uma intervenção sobre o desejo do paciente e sua constituição subjetiva, havia riso entre os colegas. Igualmente, quando conseguimos implantar um serviço facultativo de visita aos pacientes das enfermarias e de escuta de sua história, sobretudo do sofrimento de cada um e, tendo em vista o avanço dos alunos na abordagem dos pacientes, que fez o chefe do departamento? Resolveu introduzir mais um curso de psicologia. Conseqüência: o serviço morreu e os alunos passaram a ter mais uma matéria teórica no já inchado curriculum. Nesse treinamento  os professores da Faculdade de Enfermagem se reuniam com os alunos, proporcionavam-lhes contato com a dor no próprio corpo, ensinando-os a aplicar injeções neles mesmos, enfrentando a dificuldade de pegar uma veia. Aprendiam a  fazer curativos e a conversar com os pacientes, a ouvi-los e a respeitá-los. Mas qualquer proposta subjetiva como esta, tão central para a psicanálise e também para a homeopatia, é coisa de sentimentalismo para a medicina oficial, já que  não pode ser reduzida a uma lâmina nem ser dectada em microscópio. Há um pudor na informação do médico alopata que impede que professores e alunos tenham o direito de se sentir sujeitos e sujeitos portadores de frustração, medo, fracasso e ignorância.
Se nós considerarmos as defesas psíquicas e o dogmatismo positivista dos pesquisadores e professores da Faculdade de Medicina, simplesmente não há lugar para a homeopatia. Mas se conseguíssemos que os professores  se abrissem aos saberes médicos, certamente haveria abrigo para a homeopatia.
Partimos de uma premissa simples: assim como não há o saber, não há também a medicina. Há muitas medicinas e cada qual tem sua maneira de encarar o homem, sua saúde e sua doença. Assim, a medicina chinesa, a medicina indiana, a medicina homeopática ou a medicina positivista. Todas elas comportam um saber e esse saber colocado em prática tem uma eficácia (produz cura) cujo valor para a existência dos mortais é indiscutível.
O importante seria conseguir uma abertura na mentalidade do corpo docente da Universidade de tal maneira que não se pautasse mais por um paradigma único de medicina. Há interesses econômicos e financeiros enormes em jogo, mas do ponto de vista ético, por se tratar diretamente do humano ser, sua saúde, vida e morte, não há por que não superar os obstáculos do dogmatismo científico e dos preconceitos científicistas. As faculdades de medicina oficiais precisam superar os obstáculos que impedem o abrigo de outras medicinas em seu seio. Importaria que essas medicinas tivessem não só acolhimento, mas mesmo residências que garantissem aos alunos outras opções de exercício da medicina. Mas atenção: é preciso que cada medicina guarde seu paradigma de pesquisa e prática para preservar sua especificidade epistêmica.
Nenhuma medicina pode dar conta da riqueza do homem e/ou de seus males. Cada uma, à sua maneira, pode oferecer uma ajuda que certamente a outra não consegue dar. Ora, se nenhuma pode dar conta de todas as mazelas humanas, o praticante de cada uma deve ter o senso crítico dos limites da medicina que exerce e o bom senso de saber na hora certa se valer daquela que melhor pode resolver o problema do paciente. O verdadeiro médico é aquele que está diretamente preocupado com a verdade do paciente. O paciente não é propriedade de nenhum médico; ao contrário, ao paciente assiste o direito de que o médico lhe garanta a preservação dessa verdade, mesmo que seja enviando-o  para um médico praticante de outra medicina.
A mãe de um paciente meu americano que sofre de asma desde o nascimento, em sua primeira consulta ao pediatra, professor na faculdade de medicina, recebeu orientação para procurar imediatamente um médico homeopata, pois, a medicina alopata nada poderia fazer por ele, declarou-lhe o médico.
A mãe assim procedeu e alcançou  a sobrevivência de seu filho.
Esta convivência com visão de diferentes medicinas é um ideal a ser perseguido. Há duas coisas a serem evitadas: primeiro o dogmatismo que consiste na adesão cega a uma forma de medicina com exclusão das outras e, a segunda, o ecletismo, isto é, a mistura de práticas médicas que confundem o paciente, roubando-lhe a chance de uma verdadeira cura.
Em se tratando da homeopatia é interessante que se prossiga na investigação de seus fenômenos, sobretudo a questão da energia do semelhante e a da diluição dessa energia. Mas é preciso que fique claro o seguinte: essas pesquisas precisam acontecer, mas elas em nada modificariam a pesquisa própria à homeopatia e à sua prática. Que a ciência positiva chegue um dia a descobrir o princípio da diluição, nada mais desejável. Mas do ponto de vista epistemológico é preciso reter que a homeopatia tem seu próprio território que, aliás, importa preservar sob pena de  ela ruir por terra.
A homeopatia tem concepção própria sobre o homem, sua saúde, suas doenças e sua cura. Assim, por exemplo, doença em homeopatia são os sintomas. São eles que determinam a medicação e que possibilitam os caminhos da cura. Evidentemente para a medicina alopática isso é difícil de compreender. Mas é assim que as diferenças fazem a especificidade epistêmica de cada medicina.
Todo problema gira ao redor de uma só questão: Trabalhar dentro da convicção epistêmica de cada medicina. Que produz isso ? Simplesmente, segurança clínica, eficacidade e abundância de clientes.
O ecletismo, porém, não leva a lugar nenhum; pelo contrário, apenas confunde clínico e paciente. A homeopatia dentro de seus limites, pode ser de grande ajuda ao homem, mas ela supõe uma prática clínica intensa. Por ter um aspecto admirável, o de levar em conta a subjetividade do paciente, ela supõe uma dedicação real e contínua a ele. Impossível exercê-la à maneira da medicina alopática. Nesse mundo de profundas e rápidas mudanças subjetivas talvez essa qualidade da medicina homeopática seja um de seus mais preciosos dons. Mas essa qualidade é uma conquista; ela só existe em homeopatas com plena convicção epistemológica. 
Finalmente, é interessante notar que o pressuposto acima exposto é requisito idêntico para o exercício da psicanálise. E é por essa razão, que nossa experiência tem comprovado que homeopatia e psicanálise se casam bem e proporcionam uma recuperação mais rápida e mais profunda do paciente, desde, evidentemente, que cada uma dessas práticas fiquem em seus estritos limites epistêmicos. Por isso, é importante, senão fundamental que  o médico homeopata, assim como o psicanalista, mantenham-se em pesquisa contínua.
Volto à insistência: neste mundo, de grandes transformações subjetivas e de valores, homeopatia e psicanálise se apresentam como saída segura para as tribulações dos mortais. Bem – vinda, pois, a prática homeopática, tranqüilamente fundamentada em suas razões epistêmicas.

Dr. Durval Checchinato



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