Hoje
não padece dúvida alguma de que a homeopatia é uma ciência. Trata-se de um
saber sui generis: tanto no paradigma em que é produzido quanto nos
procedimentos e efeitos de sua prática.
É
interessante notar que, como Hahnemann afirma com segurança total, a homeopatia
é a primeira medicina experimental
que surgiu no mundo. Contrariamente à pratica da medicina oficial da época, a
homeopatia se impunha com um rigor científico admirável. Toda intervenção do médico
homeopata a partir da descoberta de Hahnemann, é uma prática comprovada por um
experimento realizado com cada medicamento em pessoas sadias. Mais tarde com o
advento das chamadas ciências experimentais de laboratório e sua averiguação
matemática passou-se a denominar ciência exclusivamente aquela que responde ao
modelo positivista. Daí para frente os homeopatas passaram a ter verdadeiros
anseios para enquadrar a homeopatia nesse modelo. E, ainda mais, há dois
aspectos importantes: de um lado os homeopatas passaram a ter certo receio de
ver sua prática condenada pela medicina oficial, daí uma certa
subserviência a ela e, de outro lado,
evidentemente, passaria a travar uma luta para conseguir o reconhecimento dessa
medicina.
A
universidade é uma instituição que, a partir de sua própria definição nominal,
se destina a investigar todo e qualquer saber, de toda e qualquer natureza.
Quando a universidade se pauta exclusivamente pelo modelo em moda de fazer
ciência, ela foge à sua finalidade e passa a ser dogmática. Ela não consegue
ver além daquilo que está ao alcance do modelo de ciência a que se restringiu.
Esse procedimento é contraditório com a própria proposta da universidade dos
saberes, dos quais só conhecemos alguns e, muitas vezes, temporariamente segundo
um modelo, ou um aspecto apenas do saber estabelecido. Vide a física newtoniana
e a física quântica, a astronomia ptolomáica e a de Copérnico. Em medicina dia
a dia vivemos conceitos contraditórios tanto teóricos quanto clínicos. Hoje
costumamos dizer que medicina é moda: ontem, exempli gratia, o vilão da saúde
dos mortais era o açúcar, hoje é o colesterol. Antes da descoberta da encefalite espongiforme por
Creustfeld-Jakob quem poderia imaginar que uma pré-proteina (prion) poderia ser
um agente infeccioso fatal ? E quantos
professores ensinaram ex cathedra que sómente
uma bactéria ou um vírus poderiam causar infecção nos seres vivos ? A atitude
dogmática no saber é o maior obstáculo ao caminhar dos saberes, pois trata-se
sempre de um saber cego, cuja única finalidade é manter o poder de quem o
propala. Isso equivale ao fanatismo das religiões. É acabrunhante quando
achamos que o saber é aquele que
temos em nossa inteligência ou aquele que ministramos no cargo que exercemos.
Facilmente trocamos pesquisa contínua pela repetição da mesmice.
A
dialética dos saberes nos coloca sempre na frisa do tempo e importa não tomar o
momento sincrônico como sendo a diacronia da ciência.
De
todo modo se considerarmos que a universidade continua presa a um único paradigma
de ciência, sobretudo a ciência médica, evidentemente não há lugar para a
homeopatia na universidade. Mas isso, apenas por exclusão preconceituosa.
Interessante
notar que a psicanálise se coloca sob a mesma situação: o saber psicanalítico
foge integralmente ao paradigma positivista e mesmo fenomenológico. A
psicanálise é uma prática clínica do inconsciente.
Ora que tem isso a ver com a ciência positivista ? Muitas vezes, em estudo de
caso no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Unicamp, cada
vez que fazíamos uma intervenção sobre o desejo do paciente e sua constituição
subjetiva, havia riso entre os colegas. Igualmente, quando conseguimos
implantar um serviço facultativo de visita
aos pacientes das enfermarias e de escuta
de sua história, sobretudo do sofrimento de cada um e, tendo em vista o avanço
dos alunos na abordagem dos pacientes, que fez o chefe do departamento?
Resolveu introduzir mais um curso de psicologia. Conseqüência: o serviço morreu
e os alunos passaram a ter mais uma matéria teórica no já inchado curriculum.
Nesse treinamento os professores da
Faculdade de Enfermagem se reuniam com os alunos, proporcionavam-lhes contato
com a dor no próprio corpo, ensinando-os a aplicar injeções neles mesmos,
enfrentando a dificuldade de pegar uma veia. Aprendiam a fazer curativos e a conversar com os
pacientes, a ouvi-los e a respeitá-los. Mas qualquer proposta subjetiva como
esta, tão central para a psicanálise e também para a homeopatia, é coisa de
sentimentalismo para a medicina oficial, já que
não pode ser reduzida a uma lâmina nem ser dectada em microscópio. Há um
pudor na informação do médico alopata que impede que professores e alunos
tenham o direito de se sentir sujeitos e sujeitos portadores de frustração,
medo, fracasso e ignorância.
Se
nós considerarmos as defesas psíquicas e o dogmatismo positivista dos
pesquisadores e professores da Faculdade de Medicina, simplesmente não há lugar
para a homeopatia. Mas se conseguíssemos que os professores se abrissem aos saberes médicos, certamente
haveria abrigo para a homeopatia.
Partimos
de uma premissa simples: assim como não há o
saber, não há também a medicina.
Há muitas medicinas e cada qual tem sua maneira de encarar o homem, sua saúde e
sua doença. Assim, a medicina chinesa, a medicina indiana, a medicina
homeopática ou a medicina positivista. Todas elas comportam um saber e esse
saber colocado em prática tem uma eficácia (produz cura) cujo valor para a
existência dos mortais é indiscutível.
O
importante seria conseguir uma abertura na mentalidade do corpo docente da
Universidade de tal maneira que não se pautasse mais por um paradigma único de
medicina. Há interesses econômicos e financeiros enormes em jogo, mas do ponto
de vista ético, por se tratar diretamente do humano ser, sua saúde, vida e
morte, não há por que não superar os obstáculos do dogmatismo científico e dos
preconceitos científicistas. As faculdades de medicina oficiais precisam
superar os obstáculos que impedem o abrigo de outras medicinas em seu seio.
Importaria que essas medicinas tivessem não só acolhimento, mas mesmo
residências que garantissem aos alunos outras opções de exercício da medicina.
Mas atenção: é preciso que cada medicina guarde seu paradigma de pesquisa e
prática para preservar sua especificidade epistêmica.
Nenhuma
medicina pode dar conta da riqueza do homem e/ou de seus males. Cada uma, à sua
maneira, pode oferecer uma ajuda que certamente a outra não consegue dar. Ora,
se nenhuma pode dar conta de todas
as mazelas humanas, o praticante de cada uma deve ter o senso crítico dos
limites da medicina que exerce e o bom senso de saber na hora certa se valer
daquela que melhor pode resolver o problema do paciente. O verdadeiro médico é
aquele que está diretamente preocupado com a verdade do paciente. O paciente não é propriedade de nenhum médico;
ao contrário, ao paciente assiste o direito de que o médico lhe garanta a
preservação dessa verdade, mesmo que seja enviando-o para um médico praticante de outra medicina.
A
mãe de um paciente meu americano que sofre de asma desde o nascimento, em sua
primeira consulta ao pediatra, professor na faculdade de medicina, recebeu
orientação para procurar imediatamente um médico homeopata, pois, a medicina
alopata nada poderia fazer por ele, declarou-lhe o médico.
A
mãe assim procedeu e alcançou a
sobrevivência de seu filho.
Esta
convivência com visão de diferentes medicinas é um ideal a ser perseguido. Há
duas coisas a serem evitadas: primeiro o dogmatismo
que consiste na adesão cega a uma forma de medicina com exclusão das outras e,
a segunda, o ecletismo, isto é, a
mistura de práticas médicas que confundem o paciente, roubando-lhe a chance de
uma verdadeira cura.
Em
se tratando da homeopatia é interessante que se prossiga na investigação de
seus fenômenos, sobretudo a questão da energia do semelhante e a da diluição
dessa energia. Mas é preciso que fique claro o seguinte: essas pesquisas
precisam acontecer, mas elas em nada modificariam a pesquisa própria à
homeopatia e à sua prática. Que a ciência positiva chegue um dia a descobrir o
princípio da diluição, nada mais desejável. Mas do ponto de vista
epistemológico é preciso reter que a homeopatia tem seu próprio território que,
aliás, importa preservar sob pena de ela
ruir por terra.
A
homeopatia tem concepção própria sobre o homem, sua saúde, suas doenças e sua
cura. Assim, por exemplo, doença em homeopatia são os sintomas. São eles que
determinam a medicação e que possibilitam os caminhos da cura. Evidentemente
para a medicina alopática isso é difícil de compreender. Mas é assim que as
diferenças fazem a especificidade epistêmica de cada medicina.
Todo
problema gira ao redor de uma só questão: Trabalhar dentro da convicção epistêmica de cada medicina.
Que produz isso ? Simplesmente, segurança clínica, eficacidade e abundância de
clientes.
O
ecletismo, porém, não leva a lugar nenhum; pelo contrário, apenas confunde
clínico e paciente. A homeopatia dentro de seus limites, pode ser de grande
ajuda ao homem, mas ela supõe uma prática clínica intensa. Por ter um aspecto
admirável, o de levar em conta a subjetividade
do paciente, ela supõe uma dedicação real e contínua a ele. Impossível
exercê-la à maneira da medicina alopática. Nesse mundo de profundas e rápidas
mudanças subjetivas talvez essa qualidade da medicina homeopática seja um de
seus mais preciosos dons. Mas essa qualidade é uma conquista; ela só existe em
homeopatas com plena convicção epistemológica.
Finalmente,
é interessante notar que o pressuposto acima exposto é requisito idêntico para
o exercício da psicanálise. E é por essa razão, que nossa experiência tem
comprovado que homeopatia e psicanálise se casam bem e proporcionam uma
recuperação mais rápida e mais profunda do paciente, desde, evidentemente, que
cada uma dessas práticas fiquem em seus estritos limites epistêmicos. Por isso,
é importante, senão fundamental que o
médico homeopata, assim como o psicanalista, mantenham-se em pesquisa contínua.
Volto à insistência: neste mundo,
de grandes transformações subjetivas e de valores, homeopatia e psicanálise se
apresentam como saída segura para as tribulações dos mortais. Bem – vinda,
pois, a prática homeopática, tranqüilamente fundamentada em suas razões
epistêmicas.
Dr. Durval Checchinato