Dra.Graciela Alicia Martínez: Clínica Geral - Especialista em Homeopatia pela Associação Médica Brasileira e Associação Médica Homeopática Brasileira. Rua Catharina Signori Vicentin, 637H- Cidade Universitária - Campinas - SP - Brasil Fone: 19-33657549 WhatsApp 19-989232686
25 de jul. de 2013
A relação médico-paciente em tempo de individualismo
Muito se tem comentado sobre os avanços que a Medicina nos
apresenta, através de novas propostas terapêuticas em campos do conhecimento
antes reservados ao território da ficção científica. Paradoxalmente, observamos
que, ao mesmo tempo em que a sociedade recebe promessas de vida longa e
saudável, a figura do médico torna-se menos valorizada e, cada vez mais, vemos
a sociedade clamando por humanização da Medicina.
Como explicar este enigma? Estariam os
profissionais malformados e sem o adequado domínio das novas tecnologias? A
resposta parece ser negativa. Entretanto, é impossível negar que o
relacionamento médico-paciente encontra-se significativamente comprometido.
Cresce de maneira expressiva o número de denúncias contra médicos e a atividade
judicante dos Conselhos de Medicina demonstra que 70% dos processos éticos
instaurados decorrem de inadequado relacionamento intersubjetivo entre esses
atores.
É certo, outrossim, que uma sociedade dominada pelo
individualismo, onde o ser humano perdeu sua condição de sujeito portador de
dignidade e merecedor de respeito, muitos são os fatores que podem ser
apresentados como causadores dessa catástrofe relacional. Alguns pensadores,
entre eles o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, definem o mal-estar da
pós-modernidade como tempos líquidos, em consequência da dissolução de todos os
valores sólidos que nos acompanharam ao longo de nossa história. Sem pretender
esgotar todas as complexas causas do insatisfatório relacionamento
médico-paciente, apontaremos três, que nos parecem primordiais.
A primeira, não por ser a mais importante, mas por deter maior
visibilidade, é a representada pela influência negativa que as empresas
farmacêuticas e de equipamentos médicos exercem sobre a conduta terapêutica dos
profissionais. Estes fatos, inquestionavelmente prejudiciais, não justificam
julgamentos apressados de satanização das mencionadas empresas, pois as regras
impostas pela sociedade de mercado as obrigam a atitudes competitivas, nem
sempre revestidas de eticidade. O exemplar de 5 de maio de 2003 da Revista British Medical Journal foi inteiramente
dedicado a expor os conflitos de interesses que permeiam a relação entre
médicos e empresas farmacêuticas e de equipamentos. Todos estes fatos são bem
conhecidos e acompanhados com responsabilidade pelos Conselhos de Medicina, que
têm praticado um controle efetivo sobre eventuais desvios de condutas dos
profissionais.
Os dois outros fatores que mencionaremos a seguir, embora de
menor visibilidade, constituem elementos nucleares da crise de valores que
domina a sociedade atual. O primeiro deles, muito bem analisado por pensadores
como Ernest Jünger, Martin Heidegger e Hans Jonas, é o da sociedade em que a
técnica ocupa posição privilegiada e convive com pessoas subjugadas ao domínio
de um véu tecnológico, assumindo assim a condição de um fim em si mesmo. Neste
modelo, as pessoas deixam de perceber que a biotecnologia é apenas um braço
prolongado da ciência e, portanto, complementar ao raciocínio do profissional.
Não se sabe exatamente como a fetichização da técnica se impõe sobre a
psicologia humana e onde é possível identificar o limite entre uma interação
racional e a injustificada superestimação. O certo é que o fascínio pela
tecnologia domina toda sociedade, incluindo médicos e pacientes, o que fez com
que Berkley cunhasse o mantra que lhe pareceu mais representativo do
comportamento humano na pós-modernidade: "I
like nice equipments". Herdamos do século XX o mais extraordinário
desenvolvimento da tecnologia biomédica que dominou nossas mentes e corações, a
tal ponto que passamos a subestimar o raciocínio clínico, devotando
desproporcional credibilidade à biotecnociência. Bernard Lown, professor
emérito da Faculdade de Medicina de Harvard, em A arte perdida de curar,
deplora a exagerada ênfase que as escolas médicas empregam na formação de
profissionais que, segundo ele, serão meros "oficiais-maiores da ciência e
gerentes de biotecnologias complexas, desconsiderando a genuína arte de ser
médico".
O mais desconcertante diante desta situação é que parece cada
vez mais distante a possibilidade de reconhecermos que a tecnologia é
obviamente boa, entretanto, poderá ser prejudicial se utilizada de maneira
insensata e imprudente. A última variável, talvez seja a mais complexa e deve
merecer maior atenção. Trata-se das mesquinhas escolhas morais que fazemos
conduzidos pelo equivocado princípio de que tudo deve ser subordinado à
soberania da vontade pessoal. A individualização, com a perda do sentido de
solidariedade, parece ser o mais importante fator desagregador da sociedade.
A agenda da sociedade moderna está refém do comando
autocrático da liberdade de escolhas individuais guiadas pela equação "eu
posso - eu quero - eu faço", o que nos fez perder os referenciais éticos
da fraternidade e, como consequência, termos deixado de refletir sobre as três
perguntas kantianas que balizam o comportamento ético de cada ser humano: O que
é o homem? O que devo fazer? O que me é lícito esperar de minhas ações?
Estudo
da UNESCO, realizado em Brasília, em que foram entrevistados jovens de classe
média, submetidos a um inquérito sobre prática de valores morais, constatou-se
que, na percepção deles, humilhar travestis, prostitutas, homossexuais e
mendigos seria comportamento de menor gravidade quando comparado à pichação de
prédios públicos, destruição de orelhões ou de placas de sinalização de
trânsito; 20% dos entrevistados consideraram injustificável qualquer forma de
punição decorrente dos ultrajes impostos às mencionadas pessoas.
Cada vez torna-se mais necessário meditar sobre a indagação
apresentada por Emmanuel Levinas: "Como podem esses sujeitos almejar um
estatuto de humanidade e pertença se não se olham no rosto ou se olham com
tanta brevidade?"
Segundo o filósofo, seremos dotados de humanidade na
medida em que acolhermos todas as pessoas que nos cercam como seres
biopsicossociais e espirituais e aceitarmos as responsabilidades que decorrem
desse relacionamento sob a égide da ética da face.
Autor José Eduardo de Siqueira Coordenador do Curso de Medicina da PUCPR/Campus Londrina,
presidente da Sociedade Brasileira de Bioética de 2005 a 2007, Membro das
Câmaras Técnicas de Bioética e Reprodução Assistida do CRM-PR e da Câmara
Técnica de Terminalidade da Vida e Medicina Paliativa do Conselho Federal de
Medicina.
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